terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Artigo sobre a intenção da CML de plantar robínias no Jardim do Príncipe Real

Diz Que é Uma Espécie de Decreto Absurdo

por Pedro Nuno Teixeira Santos no blog Árvores de Portugal

Em 1999, com a apro­va­ção do Decreto-Lei n.º 565/99, seguindo direc­ti­vas euro­peias, Por­tu­gal reco­nhe­cia a gra­vi­dade do pro­blema das espé­cies inva­so­ras e as suas nefas­tas con­sequên­cias para a pre­ser­va­ção da bio­di­ver­si­dade do nosso país.

Seguindo o mais ele­men­tar bom senso, o refe­rido decreto é par­ti­cu­lar­mente res­tri­tivo quanto a for­mas que pos­sam con­tri­buir para a pro­pa­ga­ção de espé­cies cujo carác­ter inva­sor foi já devi­da­mente demons­trado no ter­ri­tó­rio naci­o­nal. Tal é o caso da robí­nia (Robi­nia pseu­do­a­ca­cia L.), espé­cie ori­gi­ná­ria do cen­tro e leste da Amé­rica do Norte, clas­si­fi­cada como espé­cie inva­sora no nosso país, pelo citado decreto-lei, estando, deste modo, proi­bi­das novas plan­ta­ções da mesma (incluindo em ambi­ente urbano).

Vem esta intro­du­ção, a pro­pó­sito dos objec­ti­vos da Câmara Muni­ci­pal de Lis­boa para a tão polé­mica requa­li­fi­ca­ção do Jar­dim do Prín­cipe Real, publi­ci­ta­dos numa notí­cia do jor­nal Público, de subs­ti­tuir algu­mas robí­nias por exem­pla­res da mesma espécie.

A robí­nia é uma espé­cie rela­ti­va­mente comum, como orna­men­tal, em Por­tu­gal. Foi intro­du­zida no nosso país, e plan­tada com esse e outros objec­ti­vos, numa altura em que se des­co­nhe­cia, obvi­a­mente, que anos mais tarde se iria tor­nar numa espé­cie inva­sora, ocu­pando áreas exten­sas e inter­fe­rindo com os ecossistemas.

Actu­al­mente, não está em curso nenhuma caça às bru­xas no que toca às robí­nias, ou seja, não há nenhum plano para aba­ter todos os exem­pla­res orna­men­tais desta espé­cie, dis­tri­buí­dos pelas urbes do país. Pelo con­trá­rio, e seguindo o espí­rito do Decreto-Lei n.º 565/99, o que é expec­tá­vel é que estes espé­ci­mes sejam pro­gres­si­va­mente subs­ti­tuí­dos por outras espé­cies sem carác­ter invasor.

Era o que seria de espe­rar no caso do Prín­cipe Real. Até por­que esta é, antes de mais, uma ques­tão de prin­cí­pio. As câma­ras muni­ci­pais devem, dando o exem­plo, res­pei­tar a lei para que, deste modo, pos­sam ter alguma auto­ri­dade, inclu­sive do ponto de vista moral, para exi­gir aos seus muní­ci­pes que façam o mesmo. Acaso pode­re­mos espe­rar que os cida­dãos não plan­tem espé­cies decla­ra­das como inva­so­ras, quando orga­nis­mos do Estado o fazem de forma cons­ci­ente? O mesmo Estado que, diga-se de pas­sa­gem, tem outros orga­nis­mos que gas­tam dinheiro dos con­tri­buin­tes a com­ba­ter este mesmo problema.

Mas não… Na refe­rida notí­cia, o enge­nheiro Car­los Souto Cruz, da Câmara Muni­ci­pal de Lis­boa, assume a plan­ta­ção desta espé­cie, con­tra­ri­ando a lei, afir­mando:
Faz todo o sen­tido replantá-las em jar­dins (…) sem que isso repre­sente qual­quer risco de propagação.
Sem que isso repre­sente qual­quer risco de pro­pa­ga­ção, Sr. enge­nheiro?! Serão as cida­des, por acaso, sis­te­mas estan­ques de onde as semen­tes das árvo­res, ou de qual­quer outra planta, não pos­sam esca­par por acção do vento, de ani­mais ou do pró­prio ser humano? Não serão os tão apre­go­a­dos cor­re­do­res ver­des estru­tu­ras, pela sua natu­reza, que faci­li­tem essa mesma disseminação?

O que as afir­ma­ções do Sr. enge­nheiro Car­los Souto Cruz fazem não é mais do que rela­ti­vi­zar este pro­blema, trans­mi­tindo uma men­sa­gem dupla­mente errada a todos os cida­dãos: pri­meiro, o pro­blema das inva­so­ras não é uma ques­tão grave e, segundo, não há pro­blema em con­tor­nar a lei quando tal nos convém.

Sabendo que o pro­blema da pro­pa­ga­ção das espé­cies inva­so­ras depende da acção de todos os cida­dãos, não con­sigo ima­gi­nar pior men­sa­gem a ser pas­sada à opi­nião pública do nosso país, acerca deste pro­blema. Com a agra­vante de ter ori­gem num fun­ci­o­ná­rio muni­ci­pal que deve­ria, por obri­ga­ção, conhe­cer as impli­ca­ções do seu acto.

Mas o mais grave é que a refe­rida notí­cia cita téc­ni­cos (em quê?!) liga­dos ao pro­jecto de requa­li­fi­ca­ção do jar­dim que, sem serem iden­ti­fi­ca­dos (por­que será?!), clas­si­fi­cam o Decreto-Lei n.º 565/99 como sendo:
um absurdo e uma estupidez.
Feita sob ano­ni­mato, não expli­cando os porquês da mesma (O que é absurdo na lei? O que é uma estu­pi­dez?) e não pro­pondo alter­na­ti­vas, trata-se do grau zero da crítica.

Eu des­co­nheço o que andam a ensi­nar nas uni­ver­si­da­des por­tu­gue­sas a estes téc­ni­cos que dese­nham e requa­li­fi­cam, mui­tas vezes des­truindo, os nos­sos jar­dins. Mas uma cadeira sobre espé­cies inva­so­ras e as suas impli­ca­ções, bio­ló­gi­cas e eco­nó­mi­cas, parece-me bas­tante urgente.

Resta saber se a Câmara Muni­ci­pal de Lis­boa irá cum­prir o que o porta-voz do vere­a­dor Sá Fer­nan­des disse, na notí­cia do Público, a este res­peito:

Ainda não estão plan­ta­das e a imple­men­ta­ção do pro­jecto será feita de acordo com a lei.
Cá esta­re­mos para ver.


Robínias Robinia pseudoacacia na Praça do Príncipe Real por RPLerias.

Nota externa ao artigo aqui reproduzido: esta é a robinia de alinhamento do canto Oeste do Jardim do Príncipe Real, última sobrevivente do lado Sul, lado onde cortaram todas as árvores de alinhamento excepto esta. Está previsto o seu abate no projecto agora em curso, mas defendemos a sua conservação.

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